segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Existe uma bolha imobiliária prestes a estourar no Brasil?

Entenda o que é a "bolha" e como ela pode afetar o mercado de imóveis do país, especialmente os financiamentos


Fábio Bandeira de Mello, Lívia Maria, Marcela Agra, Raíza Pacheco            
       
A crise econômica de 2008 alertou o mundo para os perigos da existência e inevitável estouro de uma bolha econômica (particularmente da imobiliária) e as consequências globais disso. Hoje no Brasil, vivemos um momento de maus presságios quanto à presença de uma bolha desse tipo envolvendo o mercado imobiliário.
Desde 2011, especialistas apontam e questionam a grande valorização de imóveis no país, especialmente nas maiores cidades brasileiras. Muitas registraram subida de mais do que o dobro no preço do metro quadrado entre 2009 e 2013. Estamos nos aproximando da estabilidade imobiliária ou criamos uma bolha que em breve chegará ao seu limite?
Relembremos rapidamente como se deu o estouro da bolha dos EUA em 2008. Entre 2001 e 2002 o mercado imobiliário dos Estados Unidos passou por um processo de expansão. Além de simplesmente ter a casa própria, comprar imóveis passou a ser objetivo de quem queria fazer investimentos. O que acontecia era que se comprava um imóvel a baixo custo, revendendo o bem adquirido por um valor maior, sem que efetivamente houvesse o pagamento da primeira compra. As transações aconteciam na base dos empréstimos. Crédito em excesso e juros baixos resultaram na valorização dos imóveis, e na consequente movimentação do mercado imobiliário. Bancos ofereceram aos compradores recursos financeiros vinculados a hipotecas e subprimes (empréstimos de alto risco).

O problema foi que os beneficiários desses empréstimos jamais pagaram o que deviam, pois na verdade não havia recursos suficientes para cobrir os créditos fornecidos. Resultado: desvalorização da moeda. Para reduzir a inflação, bancos aumentaram a taxa de juros, e o preço dos imóveis caiu, o que acabou com a possibilidade de crédito e consequentemente com o esquema de refinanciamento. Toda a situação virou uma bola de neve formada por inadimplência, inflação, desvalorização de imóveis e quebra no sistema bancário internacional. O que o Brasil tem em comum com esse cenário desastroso?
Em setembro de 2013, Robert Shiller, professor da universidade de Yale, e um dos maiores estudiosos de preços de ativos e bolhas no mundo, sugeriu, falando ao site Infomoney: "não há nada que justifique tamanha alta dos imóveis no Brasil". Segundo o índice FipeZap, indicador que mede o valor médio do m² em 16 cidades brasileiras, imóveis em São Paulo e no Rio de Janeiro mais que dobraram de preço nos últimos cinco anos. Em Los Angeles e Nova York, preços caíram em 25% no mesmo período.
Entre 2011 e 2012, a a inflação do imóvel para venda no Rio chegou a avançar 161,72%. Nesse sentido, qual a particularidade do Brasil? Shiller jamais afirmou com certeza a existência de uma bolha no mercado imobiliário brasileiro, mas lançou uma pergunta intrigante: "os preços dobraram por fundamentos econômicos ou por um movimento psicológico?".

Resposta não é clara

A alta que experimentamos na última década (particularmente entre 2009 e 2013, nos grandes centros do sudeste) já começa a se desfazer em 2014. O preço médio dos imóveis subiu 0,64% em março na comparação com fevereiro, segundo o Índice FipeZap Ampliado. A subida abaixo da inflação já havia ocorrido no mês anterior, então foi a segunda vez seguida. Pela quarta vez consecutiva os números apresentaram desaceleração na variação anual.
Na prática, isso quer dizer que imóveis estão valorizando pouco, e os investimentos estão sendo engolidos pela alta dos preços. A dúvida é se esse cenário remete simplesmente a uma estabilização do mercado ou ao estouro da suposta bolha, que ocasionaria uma baixa abrupta nos preços dos imóveis.
Adolfo Sachsida, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), afirma categoricamente que existe uma bolha. “Quando o governo direciona e expande o crédito para determinado setor da economia, os custos de todo o segmento aumentam. Ao final, vai gerando mais crédito para cobrir o aumento dos custos. Quem quer comprar é obrigado a se endividar cada vez mais para ter o mesmo bem. Projetos como o Minha Casa, Minha Vida, as obras civis do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e os estádios da Copa pressionaram os custos com mão de obra e materiais, sempre em cima de dívida. É bolha, na minha opinião”, afirma.
O economista fez um estudo sobre o assunto em 2012, denominado "Existe bolha no mercado imobiliário brasileiro". No cenário envisionado por Sachsida, após os juros nos EUA subirem e se estabilizarem, o que deverá acontecer em 2015, a Taxa de Referência subirá também, revelando a realidade de que os juros imobiliários podem variar ao longo de um financiamento (atualmente isto não acontece em grandes escalas no Brasil). O possível perigo decorrente dessa situação é a inadimplência, que seria um dos alfinetes para estourar a bolha e desvalorizar os imóveis.
Essa opinião não é unanimidade, porém. O professor João da Rocha Lima, do núcleo de real estate (mercado imobilário) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) disse ao site IG Economia, em setembro do ano passado, que “não basta os preços subirem de forma pouco usual para se criar a convicção de que existe bolha”. Segundo ele, são três os motivos que fazem os preços subirem dessa forma: especulação, excesso de crédito e causas estruturais.
Para Lima, o fator estrutural é o que explica a subida dos preços imobiliários no Brasil sem que haja bolha. “De 2006 para cá, os custos dos insumos para a construção cresceram muito além da renda do mercado, impulsionados pela mudança de regras na ocupação de terrenos, que encareceu sua aquisição”, afirma. O aumento dos preços seria, nesse sentido, uma ação das construtoras para jogar esse custo para frente, para o produto final. O professor afirma ainda, que não há como prever uma bolha antes que ela aconteça. 
Como tudo isso influencia quem pretende financiar ? A resposta é simples. Iniciar um financiamento pouco antes do possível estouro de uma bolha imobiliária seria uma furada. O valor financiado não necessariamente mudaria ao longo do tempo, mas a desvalorização dos imóveis em geral pode levar ao aumento da inflação.

Com a moeda desvalorizada, a taxa de juros precisaria aumentar, e apesar de existirem limites para essas taxas em determinadas maneiras de conseguir financiamento, isso não é realidade para todas elas. Juros e inflação exorbitantes, além de impossibilidade de mais crédito por parte dos bancos poderia gerar inadimplência, ou um aumento grande da dívida assumida por quem está financiando. No caso de quem investe em imóveis, o perigo é a desvalorização dos mesmos e a consequente perda de recursos ao passar o imóvel para frente.
Pode-se dizer que o mercado imobiliário brasileiro passa por uma espécie de transição; alguns lugares estão supervalorizados, enquanto outros estagnaram. Quem quer financiar agora, precisa levar em consideração a possibilidade de uma bolha geral, ou até mesmo de bolhas isoladas. A análise do panorama do país somada à observação da conjuntura local devem guiar o comprador entre 2014 e 2015. Levando em conta a possibilidade do estouro de uma bolha imobiliária, resta esperar e acompanhar o mercado com paciência, antes de investir ou iniciar um financiamento.